A disputa entre a operadora de trens alemã Deutsche Bahn e o sindicato dos ferroviários GDL entrou em uma nova etapa nesta quarta-feira (24/02).
O GDL, que tem 40 mil membros e representa principalmente maquinistas de trem, mas também outros funcionários da rede ferroviária, anunciou na segunda-feira a convocação de uma greve, em meio a uma disputa sobre salários com a Deutsche Bahn. O sindicato já havia realizado outras duas grandes paralisações no final de 2023 e uma terceira no início de janeiro de 2024, que durou três dias.
Desta vez, o tráfego de passageiros será afetado durante quase seis dias, com o fim da paralisação previsto para a noite de segunda-feira, o que faz desta a mais longa greve ferroviária da história da Alemanha. Além dos trens de longa distância, também serão afetadas composições regionais e alguns trens urbanos. O tráfego de trens de carga já havia sido paralisado na noite de terça-feira, com previsão de retorno apenas para a noite de segunda-feira, totalizando 144 horas de interrupção nos serviços.
A greve, porém, não afeta somente a Deutsche Bahn, mas também as muitas empresas que transportam suas matérias primas nos trens alemães. As consequências também serão sentidas nos países vizinhos, já que a Alemanha é considerada o "coração logístico" da Europa, afirma o especialista Thomas Puls, do Instituto de Economia Alemã (IW), de Colônia.
Quase 60% dos serviços de transporte de mercadorias da Deutsche Bahn são realizados em todo o continente, sendo que seis dos 11 corredores para transporte de mercadorias europeus passam pela Alemanha, de acordo com o Ministério dos Transportes.
Prejuízos de 100 milhões de euros por dia
Os custos de tais greves são difíceis de calcular. Se não houver perda de produção, os prejuízos não serão visíveis nas estatísticas, explica Puls.
Por outro lado, se a produção for restringida ou completamente paralisada, os danos podem chegar à casa dos 100 milhões de euros por dia, afirma o diretor de economia do IW, Michael Grömling. Ele explica que, com uma duração de seis dias, os custos não aumentarão de maneira linear, mas deverão se multiplicar. Nesse caso, "estaremos nos aproximando rapidamente de um bilhão de euros em prejuízos."
Além disso, o tráfego dos trens de carga não poderá ser retomado de maneira imediata ou sem percalços mesmo com o fim da greve. Após a última paralisação, foram necessários vários dias até os gargalos no tráfego serem eliminados. A Deutsche Bahn calculou que, somente para a própria empresa, as perdas deverão ser de 25 milhões de euros por dia.
O economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer, faz uma avaliação parecida. Ele diz que, como resultado da greve, a geração de valores no setor dos transportes deve cair em torno de 30 milhões de euros ao dia, o que corresponde a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
"Danos econômicos muito maiores ocorrerão se as fábricas tiverem de suspender a produção devido a problemas de abastecimento", alerta Krämer. "Além disso, a greve também gera tensões na população e macula a já manchada reputação alemã como local de negócios."
Uma possível perda de confiança do setor de logística nos transportes ferroviários alemães é bastante preocupante, observa Frank Huster, diretor da Associação Alemã de Encaminhamento de Cargas e Logística. A reputação do país já vem sendo abalada por uma série de problemas técnicos, pela obsolescência da rede ferroviária e pela persistente vulnerabilidade de sua infraestrutura.
Este não é um ponto de partida favorável ao objetivo de Berlim de transferir os transportes de carga cara vez mais para os trens. O acordo firmado em 2021 entre os partidos que integram a coalizão de governo estabelece que a parcela do transporte de cargas através da malha ferroviária deve aumentar de 19% para 25% até 2030.
Importância logística
Para que seja possível calcular a extensão da greve, vale a pena observar a quantidade de bens que são transportados através das ferrovias. Uma grande parcela – dois terços do total– não é transportada por trens, mas através das rodovias. As ferrovias são utilizadas para pouco menos de um quinto do total. Ainda assim, os trens de carga são de vital importância, explica Puls.
"Mesmo que isso não fique tão evidente quando observamos as parcelas de mercado, muitos bens não podem ser transportados de outra forma, ou até poderiam, mas com enormes dificuldades."
Grandes indústrias como as siderúrgicas ou químicas dependem desse meio de transporte. Sem o carvão mineral entregue a essas empresas através de ferrovias, os altos-fornos da indústria do aço ou as usinas que garantem o fornecimento de energia não poderiam funcionar.
Alguns dos itens perigosos produzidos pela indústria química são obrigatoriamente transportados pelos trens em razão do baixo risco de acidentes. A greve, portanto, gera desafios enormes a esse setor, afirma a Associação da Indústria Química da Alemanha (VCI).
"As empresas imediatamente desenvolveram soluções flexíveis junto a seus clientes e serviços de logística", informou a entidade, acrescentando que essas medidas "compensam apenas parcialmente as restrições e os atrasos".
Outras partes da cadeia de logística, como os portos, também são afetados pela greve. "Se um porto não tiver mais espaço para armazenar contêineres, isso será bastante problemático", observa Puls.
No porto de Hamburgo, a maior parte dos contêineres são transportados pelas ferrovias. Colocar toda essa carga nas rodovias não é algo realista, afirma o economista do IW. "Provavelmente, nós não temos todos os caminhões necessários e, mesmo se tivéssemos, não teríamos como enviar todos eles para Hamburgo, de modo a retirar do porto os contêineres que seriam levados pelos trens."
Desaceleração econômica traz certo alívio
A atual desaceleração da economia alemã ajuda a mitigar as consequências da greve. Quando a produção industrial é subtilizada, se torna mais fácil adiar a produção quando a matéria-prima não é entregue a tempo, afirma Puls. Ainda assim, haveria custos de replanejamento da produção e das cadeias de logística.
De resto, as grandes empresas não estão completamente despreparadas, o que funciona para aliviar as consequências da greve. Segundo Huster, as cadeias de abastecimento, de modo geral, se tornaram mais resistentes após a pandemia de covid-19.
A situação econômica pode também evitar que os portos do país cheguem rapidamente a um ponto crítico. "Sob melhores circunstâncias econômicas, o limite dos danos causados pela paralisação dos trens seria atingido em cerca de cinco dias", calcula Puls.
Grömling, por sua vez, teme que "algo esteja fermentando no transporte de cargas", tendo em vista a situação no Mar Vermelho, onde a rota de transportes marítimos vem sofrendo uma série deataques dos rebeldes iemenitas houthis. Muitos navios de contêineres estão sendo obrigados a desviar de suas rotas através do Cabo da Boa Esperança, no extremo sul do continente africano. Isso gera atrasos e problemas nos portos.
Na Alemanha, o fechamento de uma ponte em Leverkusen sobre o rio Reno até 4 de fevereiro deve gerar enormes transtornos no trânsito.
Tendo em vista todas essas situações, "o resultado será a interrupção das cadeias de abastecimento e o aumento das incertezas", afirma. Ele lembra que economia da Alemanha já está em recessão.
"Há agora a ameaça de que fique ainda pior", alertou.
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