Crescemos dançando na boquinha da garrafa. Nas tardes de domingo assistíamos a banheira do Gugu. E ninguém morreu.
Se você tentar resgatar alguma memória dessa época, provavelmente se lembrará de que não entendíamos nada do que a letra queria dizer. Mas o ritmo e a coreografia nos contagiava. Era divertido. Era grande a expectativa para saber se o sabonete seria capturado por aquelas pessoas que tanto lutavam por ele dentro da banheira.
Então podemos inferir que não há mal em expor crianças a esse tipo de conteúdo?
Estaria a criança protegida por sua inocência infantil?
Cuidado!
Que argumento perigoso! Perigosíssimo, eu diria.
Essa ideia é o fundamento da negligência. Muitos abusadores acham que seus atos não farão tão mal assim. “Criança não sabe de nada, não tem maldade.” A família que pede para a vítima de abuso deixar essa história pra lá, diz que criança esquece rápido. “Ela não entende ainda, não terá sequelas disso.”
Negligência é fechar os olhos para a dignidade do outro. E dignidade não é o que eu quero dar ao outro, mas é aquilo que ele tem por essência. E a dignidade da criança (sua essência, natureza, valor) é preservada quando há respeito ao seu desenvolvimento. Conteúdo er0t1co e infância não andam juntos.
A criança não sabe mesmo o que significa a letra de uma música com teor erótico. Não associa a coreografia de uma música a alguma atividade adulta.
Mas o adulto entende. Mesmo assim expõe filhos, sobrinhos, alunos a esses conteúdos. Para que? Entreter-se? Ganhar likes, inscritos, seguidores, visualizações? A dignidade das crianças continua escorrendo pelo ralo. Ninguém faz nada, ou melhor, quem tenta ganha nome de chato, “mimimi”.
“Ah, é cultura!” Mas a cultura não cai do espaço, ela é feita por nós. A quem interessa toda essa dessensibilização?
O movimento é mais ou menos este: naturalizar cada dia mais a erotização infantil. Bagunçar a cabecinha das crianças (formação da autoimagem) ao colocar diante delas o ideal do ser sexy. E assim, o termo novinha que era para a de 18 anos vai, aos poucos, caindo para 16, 14, 12…
Enquanto isso a massa repete cegamente: “mas ninguém morreu, ninguém morreu!”
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